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Blog de um jornalista viciado em música e com paixões variáveis. Pinceladas de cinema, futebol e São Paulo podem aparecer sem aviso.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

João do Rio

O que as pessoas do Rio de Janeiro vão fazer agora?

João, 6 anos, não tinha nada a ver com os problemas da cidade, uma vez chamada de Maravilhosa. E esse é o ponto: ele não tinha absolutamente nada a ver com a história. Não era uma pessoa rica, era de uma família simples e, um detalhe importante, era uma criança. Isso fez a Veja escrever micro-editoriais dentro da matéria sobre o caso. Ela clama:

"O martírio público do menino João Hélio está destravando a língua de dezenas de explicadores (intelectuais). São os mesmos que passaram a mão na cabeça dos 'meus guris' que desciam ao asfalto para subtrair um pouco do muito que os ricos tinham e, assim, sustentar a mãe no morro. Chega de romancear o criminoso, de culp-ar abstrações como a 'violência', o 'neoliberalismo', o 'descaso da classe média'..."

A matéria segue dizendo que não há ONGs pra ajudar a família de João, não há missas de ação social que tenham a classe média encolhida em medo como alvo das bênçãos. A Veja acerta em expressar de maneira firme a indignação, é hora de dar um tempo nas "explicações" da violência e começar a diminuí-la. O problema é que a Veja vê a história muito como uma questão de segurança pública e legislação, e nós, infelizmente, não temos estrutura para implantar as reformas. Ok, vamos prender mais gente: mas onde elas vão ficar? Os depósitos humanos vão punir a pessoa, ok, mas deixemos os assassinos e estupradores 20 anos na cadeia, ao invés de 5, e o que vai ser dele quando eles sairem? Alguém com sangue nos olhos, que se vingará da sociedade, que tirou a sua vida. Funciona?

Sou "quase" imparcial, mas eu acredito que a violência no Rio (50% maior que em São Paulo, para comparação) tem como enorme culpada a sociedade carioca. Estive lá no fim de ano, quando estouraram aqueles atentados (8 pessoas morrendo carbonizadas no ônibus, homem levando tiro quando foi prestar queixa na delegacia, etc) e fiquei impressionado. Não pelos atentados apenas (o PCC esteve aqui, afinal), mas pela absoluta passividade dos cariocas. Lembro que tomei a decisão de não descer à praia em Copacabana, nem ir pras comemorações de Ipanema, no Réveillon. Não havia o que comemorar. Esse eterno "vamos nos acabar pra esquecer dos problemas" causa um enorme problema. Enquanto tiver o assassinato de um João e o carnaval duas semanas depois, estamos perdidos.

Eu tô de greve com o Rio. O que me incomoda é essa contínua empáfia dos cariocas de achar que é o "melhor lugar do mundo", "Cidade Maravilhosa". Aliás, esse termo tem de ser terminantemente proibido, até segunda ordem A Suzane von Richthofen "continua linda" depois do que fez? Onde eu quero chegar com isso? Na prática, problemas só são combatidos quando eles são vistos como grandes problemas. No Rio, as pessoas acham que faz parte do pacote, a violência é um inconveniente, mas "não há lugar melhor pra se viver"...

Não.

Isso não significa que eles têm de ficar (mais) amedrontados. Mas têm de usar o na maioria das vezes nefasto bairrismo para entender que é a sociedade deles que está em jogo, a cidade querida que está ficando em colapso, e que eles precisam fazer alguma coisa, qualquer coisa. De deixar de achar engraçada uma malandragem qualquer a não dar esmola, a eleger pessoas mais comprometidas com o Rio, não sei. Há o que fazer. Fui ao Rio minha vida inteira, sempre adorei o lugar e espero voltar lá, quando o povo tomar conta da cidade.

Ontem eu passava aqui na Rua Rocha, e num parquinho estava sendo celebrada uma missa, muitas crianças em volta. O padre falava em linguagem bem clara pra atingir a molecada, que, veja só, prestava atenção. Descobri que todo dia 12 tem missa no parquinho, achei interessante. Já estava indo embora quando o padre falou que a missa era dedicada a duas pessoas: ao "menino João" - "os homens malvados mataram ele"; e ao "vovô que salvou o netinho da cobra". Bom que as crianças vejam isso desde cedo. A realidade é cruel, e eles precisam saber. Mas precisam ouvir também exemplos de pessoas com gestos simples fazem a sua parte.

Amém.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

Estive no Rio no carnaval, e rolou um lance que me fez lembrar desse texto. Enquanto na praia de ipanema, passou um avião e nele uma faixa lembrando a morte do menino, e pedindo para as pessoas na praia baterem palmas para lembrar do fato e se mostrarem indignadas.

Enfim, claro que todo mundo bateu palma, se sentiu um cidadão indignado e depois voltou a tomar água-de-coco...

12:03 AM  

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